Carne bovina e café do Brasil retomam espaço nos EUA após fim das tarifas

A decisão do governo dos Estados Unidos de revogar totalmente as tarifas impostas em setembro sobre diversos produtos agrícolas brasileiros marca uma nova fase no comércio entre os dois países. A medida, oficializada em 20 de novembro por meio de alterações na Ordem Executiva 14.323, encerrou a cobrança adicional de 40% e trouxe alívio após meses de incerteza.

Mais de duzentos itens foram beneficiados, com destaque para carne bovina, café e frutas, que haviam sido especialmente impactados pelas restrições. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) avaliou a reversão como resultado do peso econômico do setor produtivo brasileiro e dos efeitos das tarifas na inflação e na logística dos Estados Unidos, fatores que aceleraram a pressão interna pela revisão das medidas.

Segundo análise da consultoria DATAGRO, a carne bovina é o produto que mais tende a se beneficiar da retirada das tarifas. Mesmo considerando o pagamento da tarifa de excedente da quota tarifária (TRQ), a carne brasileira deve chegar ao mercado americano entre 14% e 18% mais barata que a equivalente no atacado dos EUA, ampliando a competitividade do Brasil em relação à Austrália, que havia superado os embarques brasileiros em 2024.

O impacto mais imediato será sentido no mercado de beef trimmings, principal item exportado pelo Brasil para os Estados Unidos. Atualmente, o produto brasileiro custa 11% menos que o australiano e 23% menos que as aparas norte-americanas, diferença que deve impulsionar embarques recordes. A expectativa da DATAGRO é que a quota TRQ de 2026 seja preenchida rapidamente, impulsionada pela demanda represada e pelos preços elevados no mercado interno dos EUA. Mesmo durante o período em que as tarifas vigoraram, o Brasil exportou mais de 10 mil toneladas de carne bovina para os Estados Unidos apenas em outubro.

Para a consultoria, a decisão norte-americana inaugura um novo ciclo de reequilíbrio no mercado global, restabelecendo o Brasil como fornecedor-chave de carne industrializada e aparas — segmentos que foram duramente afetados desde agosto. A Abiec reforça a visão positiva, afirmando que o fim das tarifas traz estabilidade ao comércio internacional e preserva condições competitivas para todos os países, incluindo o Brasil.

No caso do café, outro setor significativamente afetado pelas medidas iniciais, o alívio também é expressivo. A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) afirmou que a nova diretriz corrige a distorção criada entre o maior mercado consumidor do mundo e o principal produtor e exportador global. O Cecafé classifica o resultado como uma vitória histórica para toda a cadeia.

Os números mostram a importância dessa retomada: o Brasil lidera a produção mundial de café arábica, com 36,5 milhões de toneladas estimadas para 2025/26, e ocupa a segunda posição na produção de robusta, com 25 milhões de toneladas. Em 2024, foram exportadas 6,66 milhões de sacas para os Estados Unidos, sendo 81,1% compostas por arábica. Como o período de maior embarque ocorre entre agosto e dezembro, a retirada das tarifas deve fortalecer as exportações nas próximas semanas.

Apesar do avanço, o café solúvel — que ficou de fora da lista de isenção — enfrenta dificuldades. Desde agosto, as exportações caíram 52%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (ABICS). A entidade alerta que o risco de substituição permanente nas gôndolas americanas é alto, o que tornaria difícil recuperar o espaço perdido.

Outros setores que também aguardam solução são o de mel natural e o de pescado. Ambos ficaram de fora da retirada das tarifas e possuem cadeias produtivas fortemente baseadas em pequenos e médios produtores. Em 2024, o Brasil exportou R$ 100,5 milhões em mel natural, sendo R$ 78,6 milhões destinados aos Estados Unidos. No setor pesqueiro, as vendas ao mercado americano somaram US$ 30,2 milhões entre agosto e outubro, queda superior a 30% na comparação com o ano anterior.

Jairo Gund, diretor-executivo da Abipesca, alerta para os riscos aos empregos e aos investimentos do setor. Já Sérgio Farias, presidente da Confederação Brasileira de Apicultura e Meliponicultura (CBA), reforça a urgência de uma negociação. Segundo ele, a maior parte dos produtores de mel é formada por agricultores familiares e não há possibilidade de armazenar grandes volumes: uma solução precisa ser definida antes da próxima safra.