Se o ritmo diário de embarques de algodão em pluma continuar até dezembro, 2025 deve se confirmar como o novo recorde anual das exportações brasileiras.
Com o encerramento oficial da temporada 2024/25, no fim de julho, o Brasil consolidou — pela segunda vez consecutiva — sua posição de maior exportador mundial de algodão. O resultado reforça não apenas o avanço no volume exportado, mas também demonstra a maturidade de um setor que combina tecnologia, sustentabilidade e estratégia comercial para se destacar entre os principais fornecedores globais.
De acordo com a entrevista ao Broto (Banco do Brasil), o diretor-executivo da Abrapa, Marcio Portocarrero, destaca que essa liderança é reflexo direto de um modelo produtivo altamente profissionalizado.
“Mais que volume, o que essa conquista revela é um sistema de produção sustentável, rastreável e articulado entre Abrapa e associações estaduais. O protagonismo brasileiro amplia nossa presença em mercados exigentes e consolida o país como referência mundial”, afirma.
Cotton Brazil: programa antecipou meta de liderança mundial
O Cotton Brazil, criado pela Abrapa em parceria com a ApexBrasil e com apoio da Anea, foi decisivo para esse desempenho. Lançado em 2020 com o objetivo de transformar o Brasil no maior exportador do mundo até 2030, o programa alcançou a meta seis anos antes do previsto.
Segundo Marcelo Duarte Monteiro, diretor de Relações Internacionais da Abrapa, a iniciativa identificou os dez maiores compradores globais — entre eles Bangladesh, China, Vietnã, Paquistão e Indonésia — responsáveis por mais de 90% das importações de algodão no planeta.
“Com missões internacionais, comunicação especializada e um escritório permanente em Singapura, conseguimos promover a fibra brasileira e reforçar a defesa do algodão como uma matéria-prima natural de excelência”, comenta.
Na safra 2024/25, o Brasil exportou 2,837 milhões de toneladas, superando novamente concorrentes históricos como os Estados Unidos. Os números, divulgados pela Secex e analisados pela DATAGRO, representam um leve crescimento de 0,1% em relação ao ciclo anterior.
Mesmo com os embarques elevados, o abastecimento interno segue garantido.
“Atendemos 99% da demanda da indústria têxtil brasileira. O consumo interno gira em torno de 720 mil toneladas, e a produção nacional comporta simultaneamente o mercado interno e o externo”, reforça Portocarrero.
Rastreabilidade e sustentabilidade como diferenciais
Um dos grandes pontos fortes do algodão brasileiro é a capacidade de oferecer rastreabilidade completa e certificação socioambiental para a maior parte da safra. Mais de 85% da produção passa por auditorias baseadas em critérios ASG, e 100% dos fardos são monitorados pelo Sistema Abrapa de Identificação (SAI), que utiliza QR codes e códigos de barras homologados pela GS1 Brasil.
Segundo Silmara Ferraresi, diretora de Relações Institucionais da Abrapa, o sistema garante transparência total:
“É possível rastrear a fibra desde a propriedade de origem, incluindo certificações, unidade de beneficiamento e características da pluma. Esse grau de detalhamento atende plenamente às exigências dos mercados internacionais.”
Sou de Algodão: conexão com o consumidor final
No mercado doméstico, a Abrapa se destaca também pela iniciativa Sou de Algodão, criada em 2016 para estimular o consumo consciente e aproximar o público final da cadeia produtiva. O movimento já reúne quase 1.800 marcas parceiras, distribuiu mais de 110 milhões de tags e mantém colaborações com 14 universidades e 17 instituições.
“A moda é uma ferramenta poderosa de comunicação. Com um simples QR code na etiqueta, o consumidor pode acompanhar toda a trajetória daquela peça”, explica Silmara.
O movimento atua na São Paulo Fashion Week, possui loja no Mercado Livre e lançou o SouABR, que combina rastreabilidade digital com certificações socioambientais. O piloto envolveu 99 fazendas, 79 produtores, milhões de quilos de fios e centenas de milhares de peças rastreadas. “É um marco para a moda ética e transparente”, completa.
Produção altamente tecnificada e em expansão regional
Embora Mato Grosso e o oeste da Bahia permaneçam como principais polos de produção, a Abrapa trabalha para expandir a cotonicultura em regiões como Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Piauí e Ceará.
Esses estados vêm recebendo investimentos em capacitação técnica, transferência de tecnologia e melhorias logísticas.
Portocarrero cita exemplos positivos: “Em municípios como Catuti (MG) e Guanambi (BA), pequenos produtores se organizaram em cooperativas e têm alcançado bons resultados.”
Além disso, grandes produtores têm adotado inovações como biofábricas para controle biológico, drones para aplicações direcionadas e sistemas de georreferenciamento. Essas práticas já permitem substituir até 24% dos defensivos químicos por insumos biológicos — percentual que deve continuar crescendo.
Selo ABR: mais valor e segurança para a produção
Outro pilar do modelo produtivo nacional é o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que certifica boas práticas trabalhistas e ambientais.
De acordo com Portocarrero, a certificação melhora a gestão, reduz riscos, eleva a produtividade e facilita o acesso a mercados rigorosos.
Atualmente, cerca de 83% de toda a produção brasileira é certificada pelo ABR e também licenciada pelo programa internacional Better Cotton. Além disso, aproximadamente 93% da safra é cultivada com água da chuva — um diferencial expressivo diante de regiões do mundo que enfrentam escassez hídrica.
Crescimento planejado e foco em novos consumidores
Mesmo diante do avanço das exportações, a Abrapa defende que a expansão da cotonicultura ocorra com cautela. A demanda global por algodão está praticamente estável há mais de uma década, enquanto fibras sintéticas — derivadas de combustíveis fósseis — seguem crescendo acima de 5% ao ano.
“Não podemos estimular um crescimento desordenado. O mundo precisa voltar a consumir mais fibras naturais para que exista espaço real para ampliar a produção”, alerta Portocarrero.
A entidade tem intensificado campanhas internacionais para conscientizar consumidores sobre os impactos ambientais das fibras sintéticas, responsáveis pela emissão de microplásticos.
“O algodão é renovável, reciclável e tem menor impacto ambiental, sendo fundamental para construir uma moda mais ética e sustentável”, conclui.